sábado, 24 de novembro de 2012

Identidade tocantinense











  
   Falar de identidade cultural na Geografia, não é fácil. Afinal, o que seria uma Identidade cultural no século XXI quando está ocorrendo todo um processo globalizado ou mundializado?
Com a globalização econômica esperava-se uma homogeneização das culturas, que seria uma “mistura” entre os povos. O que não ocorreu na prática, pois ao invés das culturas se misturarem, as comunidades tem  tentado  se protegerem e  preservar a sua identidade cultural, ou seja, o ser humano não consegue viver sem seus laços com o passado, com suas raízes, mostrando que ele precisa de seu espaço sócio-cultural, precisa de sua identificação.
  Como diz a geógrafa Iná Elias de Castro (1992), a diferenciação espacial define-se na identidade que se realiza nas relações homem/meio, em seu nível mais elementar. Assim, a relação do homem com o espaço que o cerca pode ser interpretada como um arquétipo, como um elemento essencial da estrutura psicológica do indivíduo.
  O ser humano estabelece uma relação de afetividade com o meio em que vive, e acaba criando raízes. “O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir”.
  O indivíduo cria laços com seu espaço vivido, e começa a delimitar o seu território diz o geógrafo Santos (2001), “ o território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais, espirituais e da vida sobre os quais ele influi”.
  Para o prof. Noé Sandes, a arte e a cultura são eternas, assim como a busca por sua identidade cultural. Então todos têm uma base cultural mesmo sem ser reconhecida? Foi a partir desse pressuposto que resolvi falar da identidade cultural do Estado do Tocantins. Um Estado que fez 22 anos no dia 05 de outubro. O homen tocantinense, notadamente do interior, é por excelência um sábio, diz  Liberato Póvoa (1996). O tocantinense trouxe como legado de seus antepassados, um falar todo seu, que por ora facilita, ora complica o entendimento de seu interlocutor.
  Para o prof. Rogério Haesbaert, se a identidade de um indivíduo é dificilmente encontrada, uma identidade mais ampla, envolvendo um grupo de indivíduos ou mesmo uma “cultura” ou “civilização”, pode ser uma temeridade. 
   Toda identificação, regional ou territorial, necessita de um símbolo. Por isso o geógrafo Haesbaert diz que todo recorte espacial/territorial mais concreto, tem seu sentido reelaborado. A transposição simbólica de sua “escala de ação” não ocorre sem perdas, mudanças e mesmo barganhas com outras identidades.
  Atualmente no Tocantins está ocorrendo um grande fluxo migratório de gaúchos, catarinenses e paranaenses. Que são atraídos para o Estado pela política de  incentivos fiscais e financiamentos  para a implantação de vários projetos no setor agropecuário.
  Iná Elias de Castro afirma que o poder público pode inibir ou estimular identidades regionais, assim como forjá-las. Percebemos que no Estado do Tocantins, desde sua criação, há um poder político centralizador. Esse poder não quer abrir mão dos seus interesses e tenta a qualquer custo, forjar  uma identidade cultural ao tocantinense.
   Haesbaert diz que “uma região é definida por critérios político-administrativos, pode ser uma escala diferente daquela região de vivência (ou de identidade)”.  Portanto, no Tocantins, essa identidade já existe e parece  não agradar à elite dominante. Essa elite tem tentado usar uma “coerção” cultural,
criando alguns símbolos e utilizando  a mídia para  fazer um trabalho de convencimento. Tentando fazer  com que o tocantinense  assimile uma nova cultura, adequada aos seus interesses.
   Pedro Demo (1996) diz que a desagregação das identidades culturais  contribui para enfraquecer um povo e leva os a consolidar posições de dependência e de subalternidade. Através dos meios de comunicação, da pressão política e da invasão de padrões externos.
  O povo tocantinense ainda não se deu conta do que está acontecendo com esse processo de imposição cultural. Eles estão apáticos e essa apatia está favorecendo a elite dominante que cada dia está mais forte com os símbolos impostos.
  Com a criação do Estado do Tocantins em 1988 o primeiro  governador José Wilson Siqueira Campos sentiu que para ganhar notoriedade e divulgar o “novo” Estado. E para atrair investimentos teria de criar  símbolos para identificar o Estado. Criou o girassol como o símbolo da capital Palmas. E fez uma propaganda tão maciça, parecer que esta flor é o símbolo do Estado. A Bandeira, que também tem o lema “ Tocantins, um lugar que o sol é para todos”. No Brasão tem uma frase em tupi-guarani que diz: CO YVY ORE RETAMA, que significa “Essa Terra é minha”.
  Ele constrói Palmas, forjando-a como a capital ecológica e do conhecimento. Em discurso que  fez na Assembléia Legislativa do Tocantins, em 05/02/1991, diz: “Palmas deu ao tocantinense, de forma robusta e de indescritível beleza, a sua identidade definitiva”.         
 O escritor Bernardo Élis era contra a separação do Estado durante a luta separatista. Ele disse que argumentos como “diversidade cultural ou de hábitos, usos e costumes” não era um motivo relevante e não existe “comunidade homogênea em parte alguma.”

  Um representante da região norte defendia a diferença cultural como um dos principais problemas do norte. Ele disse a Bernardo Élis em uma carta aberta que não tinha nada em comum com as  coisas do sul. E a capital Goiânia não dizia nada para o povo do norte, ela só os sufocava em todos sentidos.  Se o tocantinense não tem identificação cultural com Goiás, então onde está a sua identificação?
  O escritor Liberato Póvoa (1996) diz que o tocantinense é de raízes predominantemente nordestina, em geral, maranhenses, piauienses e baianos. Ressalta ainda uma simbologia, dizendo que o tocantinense é chamado de “oreia seca”. Talvez isso seja uma forma de igualar o tocantinense ao nordestino, que normalmente é chamado de “pé rachado”, “cabeça chata”, termo utilizado de forma pejorativa para caracterizar a população pobre . O autor é tocantinense e faz parte da elite cultural do Tocantins.
Sússia de Natividade
   O Estado tem suas festas populares, a Sússia e Catira de Natividade, a Jiquitaia de Almas (herdadas da cultura negra), a Cavalhadas de Taguatinga, a Caçada da rainha de Monte do Carmo, a Kupré dos índios Xerentes de Tocantínia, Hetoroky (lê-se: retorokã) dos índios Karajás e Javaés, da ilha do Bananal.
  Também tem um artesanato expressivo e rico. O mais conhecido é feito com capim dourado do Jalapão. Uma espécie de capim dourado quando maduro e é usado pelos artesãos para fazer vários adereços, como bolsas, chapéus, braceletes, e uma variedade de untesílios.
  O governo do Estado vende uma imagem de modernidade, um Estado do Terceiro Milênio. O fato do povo tocantinense comer farinha de puba e outros pratos de derivados da mandioca não é interessante para a elite,  mostrar os hábitos considerados de povo  “nativo”, “primitivo”, “atrasado”. 
  O artesanato feito com o capim dourado, um tipo de capim próprio do Jalapão, que é feito pelos artesões locais, mas que foi ensinado pelos índios Xerentes. Este artesanato está sendo comercializado  pelas Organizações Não Governamentais (ONGS), vendido para o Brasil e o estrangeiro. Mas em nenhum momento falam que é de origem indígena, os índios sequer são mencionados.
  O governo do estado do Tocantins, através da  Secretaria de Cultura (Naturatins) e a Fundação Cultural de Artesanato e  arte indígena, promoveram no ano de 2000 uma oficina com os artesãos do Jalapão um designer de São Paulo. Este veio especialmente para lhes ensinar a técnica de produção para comercialização dos produtos feitos, com o capim dourado, fazendo com isso, que se crie um ´industrianato`, ao invés do artesanato original.
   O sociológo José de Souza Martins fala do processo de “emancipação” do índio no Brasil realizado pelo Estado, como uma forma de homogeinizá-lo social, cultural e politicamente aprofundando o processo de dominação. Os índios são removidos para territórios indistintos, dessacralizando a sua terra e brutalizando-os.  Mas as comunidades indígenas fazem parte da formação cultural do Tocantins. Eles fazem parte da população local e estão passando por problemas modernos. Como os vividos pela população da cidade, a miséria, a fome, e desnutrição infantil.

Povo Karajá
O Tocantins é um Estado que ainda tem a maior população indígena do Brasil, é uma comunidade básica na formação do povo tocantinense. São basicamente cinco comunidades: Krahô, Apinajés, Xerentes, Javaés, Karajás.
  Falar de identidade cultural tocantinense e esquecer os indígenas é inadmissível. Assim como também esquecer a população negra que foi fundamental para a formação da história e cultura do tocantinense. Os negros são mal representados na  História do Tocantins, às vezes aparecem em formas de gravuras, diminuídos. Existem várias comunidades Quilombolas no Tocantins. 
 Assim como o branco, que só agora aparece na elite, são representados como se fossem de outros lugares, como se não fizessem parte da formação étnica do Tocantins. Seria vergonha para eles se mostrarem como tocantinenses?
Comunidade Quilombola do Prata-Jalapão
    O povo tocantinense precisa urgentemente mostrar as suas origens. E valorizar o que lhe é peculiar, como sua fala, seus hábitos alimentares, ou corre sérios riscos de serem apenas mais um povo que se deixou invadir, não resistindo ao invasor. E no caso do tocantinense, ainda é mais grave, pois sequer sua cultura foi conhecida.
    O tocantinense tem toda uma história especial, hábitos alimentares originais. Ele pode pensar em mostrar sua identidade cultural a partir de seus pratos “exóticos”: por que não servir semberaba de buriti, murici, bacaba com farinha, bolo de puba, cuscuz de arroz, chambari. É original, saboroso e bonito.

Bacaba
  Quando o povo tomar a iniciativa de mostrar a sua cultura, não se deixar ofuscar pela elite dominante. Ele crescerá e aparecerá fazendo com que a própria elite assimile e valorize. Ou pelo menos respeite também esse tesouro cultural, sentindo orgulho de ser tocantinense.
A canção Nóis é jeca mais é jóia (1990) do cantor e compositor tocantinense Juraíldes da Cruz fala justamente dessa dominação cultural e nos dá um exemplo de como nos deixamos influenciar por outras culturas:
                  “Se farinha fosse americana, mandioca importada
banquete de bacana era farinhada”
                                        
     

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